A culpa

Vivia culpado, e toda a gente o desencorajava de alimentar esse sentimento. Era absurdo, era retorcido. «Olha, não consegues arranjar preocupações, tens de as inventar?» - dizia-lhe a namorada sem saber mais o que dizer. Mas ele sofria, sofria porque sentia culpa, culpa por ter prazer ao ouvir música, música que para ser arte nasceu da tragédia pessoal de muitos daqueles autores, música que foi esculpida a partir da matéria bruta da dor.

Por vezes descendo a alameda pensava na sorte que apesar de tudo tinha, de poder incorporar por breves minutos todos aqueles sentimentos-limite; imaginar-se no limiar do suicídio ou num devastador triângulo amoroso, tudo isso em pequenas doses que duram apenas até à próxima faixa.

Quando o silêncio vinha, de novo a culpa espreitava. Soubera ele escrever canções.

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