À míngua, de excesso
E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.
Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso.., ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à mingua, de excesso.
(...)
De Mário de Sá Carneiro, disse David Mourão Ferreira ter tanto a «aspiração de altura, o desejo de ascensão a um espaço ilimitado, quanto a consciência de um desenrolar trágico para o fatal movimento, destinado á queda».
Foi Mário de Sá Carneiro, quem no início do século XX, em conjunto com Fernando Pessoa e outros, deu a maior pedrada no charco estagnado da literatura portuguesa, lançando a revista Orpheu, com a plena consciência das vagas de choque de escândalo que esse arrojo iria provocar.
Na sua ânsia de altura, de ir mais além, qual Ícaro o artista eleva-se sem aceitar aviso ou conselho, isola-se perante o pasmo de todos, mas nesse isolamento a sua fragilidade exponencia-se e logo se torna pasto para o inclemente astro rei.
Esta vida é um baloiço,
Sempre, sempre a baloiçar
Não me falem que eu não oiço
Se o que eu quero é balançar
(...)
Nestes versos Paulo Bragança levanta ainda chamuscadas do chão as asas de Mário de Sá Carneiro, inspirando-se na primeira estrofe do poema «O baloiço»(a canção partilha o título), e olha os céus.
Se no seu primeiro álbum, «Notas sobre a Alma», já sobressalta os puristas do fado com ousadias como a de cantar «Remar Remar» dos Xutos e Pontapés, uns bons anos antes de eles próprios terem afadistado o «Homem do Leme», Paulo Bragança, em «Amai», fita a abóboda celeste e eleva-se, deixando um rasto indelével ainda brilhando no firmamento da música portuguesa.
No céu aberto não há limites, e Bragança usa dessa liberdade para com Rui Vaz e Carlos Maria Trindade confrontar o mundo com o além-fado.
Além-fado porque já não se prende aos formalismos e às tradições, além-fado porque não se fica confortável na fronteira do aceitável para os guardiões do templo; antes irrompe pelo templo, quebra as velhas tábuas e com elas constrói algo de mais rico e abrangente, o que para muitos só pode ter o nome de heresia.
Mais tarde viria ainda polir o diamante, oferecendo-nos «A Névoa», que não sei se é fado, se não é. Para mim é a continuação do caminho do além-fado.
Não estamos habituados neste país a estas ousadias. Vivemos no reino do «respeitinho» e mesmo os artistas - os que deveriam ser livres, quiçá alumiar-nos com a liberdade que temos cerceada no jogo social, - jogam o jogo do «respeitinho» nunca arriscando, ou então soterrando ideias mais subversivas em tais camadas de abstracção que se tornam ininteligíveis. Temos Mão-Morta, temos Pop Dell'Arte, a espaços tivemos Xutos e GNR, temos Paulo Bragança.
Quando procuramos na música sementes para o pensamento, é cada vez mais difícil encontrar essa música-desafio. Em Paulo Bragança encontramos a melhor poesia, expressa e sublimada, com ecos de Pessoa, Sá Carneiro ou Teixeira de Pascoaes; encontramos a inovação e as raízes, num fluxo coerente. O «Fado Mudado» tem o potencial de enriquecer o fado na mesma medida que «Heroin» dos Velvet Underground e «The End» dos Doors enriqueceram a música rock. No entanto continuamos a ouvir fado adocicado enaltecendo uma qualquer Lisboa de quimera. Onde está o fado, essa música subversiva? Está cheio de design, estilo o bons arranjos...mas falho de alma.
Eu ia terminar vociferando contra o facto de ser impossível encontrar o álbum «Amai»(e todos os outros) nas lojas de discos, mas tendo a pensar que é uma ilusão pensar em lojas desse tipo nos termos em que se pensava antes. Antes podemos chamar-lhe supermercados de discos. As editoras estão moribundas (e na minha perspectiva, Deus as leve). Mas, é trágico, há toda uma geração privada de conhecer esta obra importantíssima da música popular portuguesa dos anos 90. Será que este álbum subversivo pede a atitude subversiva de o fazer circular clandestinamente de iPod em iPod? Haja interesse.
O exagero,
é a devoção
daqueles que amam por perdição
Amai!
Paulo Bragança no Youtube
Paulo Bragança no Facebook
Paulo Bragança no Blitz
Paulo Bragança no MySpace
Paulo Bragança na Wikipedia
ADOREI Jorge!!
ResponderEliminarEstou maravilhada com Paulo Bragança.
ResponderEliminarObrigada por este prazer e eu que achava que não gostava de fado!!!
Verdade que, o ouvi cantar na minha cidade em Pombal,há uns anos atrás e fiquei maravilhada e nunca mais ouvi falar.
Por aparecer a cantar descalço, mais na memória me ficou. Por estes dias dei por mim a lembrar-me e a perguntar-me, onde pára esse rapaz(homem)? falei com um amigo ligado há música e entre buscas à nossa memória ele chegou lá. Como o canto dele me deu um imenso prazer em ouvir!!! indescritível.Obrigado Jorge Mendes por me mostrar esse Grande Paulo Bragança.