Um homem fora do seu tempo
Elvis Costello cancelou o seu concerto em Lisboa. E eu estava capaz de lá ir.
Elvis é um daqueles artistas dos quais se ouvem ecos desde quando o blitz ainda tinha a coluna da D. Rosa. Um artista conotado com o New Wave mais para consumo de intelectualóides. Não me podia dar ao luxo de desconhece-lo, por isso comprei uma compilação «Extreme Honey» mal sabendo que tão parcialmente representa a obra de um artista que é ecléctico e torrencial na sua produção. Dizem dele que é quem mais dá no duro no negócio.
«Extreme Honey», contendo alguns dos excelentes trabalhos de Elvis Costello, não conseguiu contudo demonstrar-me a apregoada genialidade que muitos lhe colavam à pele.
Em 99 eu levantava-me cedo, muito cedo, e ouvia a TSF logo a seguir às sete. Era um tempo, sem bem me lembro, em que a rádio ainda não tinha sido Rangelizada e na qual ainda se sentia o perfume da Xfm, que tinha acabado mas passado algum do seu espírito(e pessoal) para a TSF. Quase diariamente, se não me engano o Mário Dias, passava uma colaboração recente entre Elvis Costello e Burt Bacharach, «Toledo». «Painted from memory« era o nome do álbum em que colidiam, num cruzamento mais provável para Costello que para Bacharach(Costello coleccionou colaborações com os seus ídolos) estes dois colossos. Foi neste ponto que eu prestei atenção, e ganhei um enorme respeito por Elvis Costello, uma autoridade musical, não apenas um pretensioso artista pop.
Apesar da paixão por «Painted from memory» - vou ignorar algum daquele melaço easy-listening, - não fui muito mais longe na exploração da obra de Elvis. Quando saiu uma dupla compilação, lembro-me de estar condicionado pela suavidade das composições de «Painted from memory» e pelo Pop de «Extreme Honey» e achar aquilo muito datado, insosso e barulhento. Não concedi uma segunda audição, e por muitos anos perdi os ensinamentos musicais de Elvis Costello, que é isso que ele é, uma escola de música.
Anunciado o concerto em Lisboa, disparei para a Amazon para apanhar uma biografia, e a maravilha do Kindle serviu-me uma em alguns minutos. «Complicated Shadows», resiste à tentação de interpretar o artista, e adopta mais o ponto de vista do relato quase jornalístico da carreira de Elvis até 2004. Isto não quer dizer que são ignoradas as influências, as relações ou os aspectos, até menos lisonjeiros, do carácter de Elvis Costello. Apenas não são feitas extrapolações ou interpretações abusivas como já vi em algumas biografias. Gostei. Elvis é humano, egocêntrico, sabe o que quer, e tem uma genuína paixão por música. Teve altos e baixos na sua vida, dependências, zangas paixões e divórcios. Como constante tem uma dedicação total e workahólica ao seu trabalho, e uma insaciável avidez por descobrir e explorar novos mundos musicais, desde o country à música clássica.
Um génio.
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