Estrela caindo no vazio da noite
O que dizer de David Bowie assim de repente? Eu soube da sua ausência pela manhãzinha; ele teve 18 meses para preparar a saída. Na verdade não há muito para dizer sobre o irreparável.
No espaço público está a ser dito e repetido, principalmente o superficial e o fácil - o camaleão, o camaleão... A mitificação está em curso.
Muito mais do que Lou Reed, Bowie tem o potencial para se converter num ídolo perene, e por muito que eu vá sentir algumas vezes que o meu património simbólico está a ser usurpado e devassado pelos novos seguidores que serão atraídos por este último golpe de mestre, eles são bem vindos à descoberta do muito que está para lá de «Space Oddity» ou «Let's Dance». Mesmo «Heroes», a canção, parece muitas vezes chamar como as sereias enganadoras da Odisseia os incautos para o seio de um álbum experimental e difícil, «Heroes», para aí serem capturados e transformados para sempre. Bowie não foi um mero cantor Pop. Bowie foi toda uma educação para a curiosidade criativa e para a liberdade do espírito.
Black Star é o testamento que representa tudo o que tornou Bowie grande: Experimentação sónica, controlo total sobre o como e o quando; sedução; manobra de diversão e surpresa. E que surpresa.
Baudrillard escreveu que a sedução consiste no desvio do olhar para o que já lá não está, para o ilusório. O grande ilusionista saiu de cena, fechou a porta do armário, e já na penumbra, afastado do nosso olhar, fez aquele sorriso malicioso de quem nos levou de novo na cantiga. Não haverá outro como ele.
Apenas uma pequena adenda, se me permitires, que de resto, ninguém como tu tão bem interpreta e simplifica a arte do artista. Bowie sabia como simular o canto da sereia, (como e quando) atrair o marinheiro. E sabia que o queria, para fins maiores na bela e gigante empreitada que foi a sua obra. Será essa uma das diferenças para com Reed. Aliás, Bowie permitiu-se a "ensiná-lo" a Reed quando os génios se cruzaram, mas Reed tinha outras histórias para contar. Será essa uma das razões para a proeminência de Bowie.
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