Geni e o Zepelim, ou uma carta aberta ao João Miguel Tavares

Quando se tenta fazer uma analogia utilizando uma música é preciso entender claramente que mensagem quer o autor passar. João Miguel Tavares não sabe.



Em Geni e o Zepelim, Chico Buarque personifica em Geni o alvo da "sociedade" moralista que não aceita a diferença e que discrimina e agride aqueles que, no pensamento ou na forma, são diferentes. Esta é a Geni. Um ser diferente, já tristemente habituado a ser chutado pelas ruas, um ser que vive na margem da "sociedade" não por opção, mas porque a "sociedade" a esmurra até aos cantos, rindo depois em altas gargalhadas quando Geni está no chão, debilitada por tantos chutos e pontapés. Geni, quando pode, põe-se a pé, sacode o vestido, lambe as feridas e continua. Geni continua.

Um dia um invasor cruel quer destruir a cidade. Aquela cidade não cumpre os padrões do invasor. Não é uma cidade ao nível do invasor. Uma cidade menor que merece ser extreminada.

O invasor ameaça destruir a cidade se não lhe entregarem a Geni, para que ele a possa explorar a seu bel-prazer.

Geni foi então alvo da cortesia dos "Habitantes da Cidade". Enganada pela falsa bondade da "sociedade", Geni acedeu ao pedido dos  "Habitantes da Cidade" e decide entregar-se ao invasor.

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco

Depois de aceite o pedido, o invasor começou o desbaste.
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado

Acaba o festim, Geni, violada e frágil, vê partir o seu invasor, cobrado que está já o alto preço da dignidade de Geni.

Vamos então fazer a analogia como ela deve ser feita.

Se há uma Geni naquilo que são os factos político-económico-financeiros dos últimos 3 anos do nosso país, são os Portugueses. Os portugueses é que foram de marginalizados pelos "Habitantes da Cidade",  que os insultaram e lhes disseram que vivia acima das suas possíbilidades, que gastou mais que o que devia e que não merecia as conquistas dos últimos 40 anos, que lhe diziam que o estado não tinha obrigação de lhe garantir, como proclama Sérgio, a liberdade a sério, que só chega com a paz, o pão, habitação, saúde e educação.


Pelas fraquezas da cidade, pela sua imundice, os invasores da música de Chico, aqui atores os que compõe a troika, acharam que a cidade onde habita Geni, aqui, Portugal, teria de pagar por ser menor. Por ter uma economía mais débil e por ter sofrido com o atolamento da integração europeia e da arquitetura de uma moeda única que, claramente, prejudicou os mais frágeis e débeis.

Geni, o povo português, pois claro, foi então interpelada pelos "habitantes da cidade".

Os "habitantes da cidade", aqueles que estão no governo de Portugal neste momento, (quem mais poderia ser?) decidiram então seduzir Geni. Disseram-lhe que a culpa era dos que a governavam até então. Prometeram-lhe que "não eram precisos mais impostos" e que "não era preciso despedir funcionários públicos". 

Geni, enganada, deitou-se então com o invasor, aqui, votou nesses "habitantes da cidade" que lhe prometiam um mundo de coisas boas. 

Passada a noite, com o invasor quase a partir "numa núvem fria, com seu zepelim prateado", o povo português, como Geni na música do Chico, sente-se violado e frágil, enganado pelos "Habitantes da Cidade" que mal conseguiram os seus propósitos deitaram por terra as suas promessas e começaram a "Jogar pedra na Geni! Jogar bosta na Geni!" . Passada a noite era já necessário aumentar brutalmente os impostos e diminuir, não menos brutalmente, as prestações sociais, entre outras pedradas jogadas na Geni.

No final, como na música de Chico, não resta sentimento senão o de pena pela Geni, que, enganada, se entregou ao invasor, sofrendo ás suas mãos, apenas para benefício dos "Habitantes da Cidade" que ficaram com o poder e, novamente, menosprezaram a Geni.

Por tudo o que acima escrevo caro João Miguel Tavares, a analogia correta para definir os factos político-económico-financeiros dos últimos 3 anos do nosso país encontra-a nas palavras do Zeca, não nas do Chico.


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