Vilarinho das Furnas



Acabo agora mesmo de terminar a leitura do livro «Rio Homem», de André Gago, que conta a história de um soldado republicano da guerra civil espanhola, fugido de Franco, e que acaba acolhido em Vilarinho das Furnas, a aldeia comunitária que viria a ser submersa pela construção de uma barragem no início dos anos 70, no Gerês. Gostei muito.

Sou de Guimarães,  a Romaria a S.Bento da Porta Aberta, padroeiro dos objectos perdidos  - quantas vezes a minha avó me dizia, vendo-me desesperado à procura de algo: "Apega-te ao S.Bentinho" - é uma das maiores do Minho, e quem lá vai acaba muitas vezes por visitar a barragem de Vilarinho das Furnas, na esperança de ver a quase mitológica aldeia que ficou submersa.

Eu já estive dentro da aldeia duas ou três vezes. Na primeira delas, quando fizeram uma grande limpeza à barragem, e pela primeira vez desde 1976 a  aldeia ficou quase toda a descoberto, fiquei muito impressionado. Ao aproximarmo-nos da aldeia vindos dos lados da barragem, começamos a ver os campos, com as árvores ainda erectas, os caminhos perfeitamente delineados e um ribeiro que passa por debaixo da pequena ponte como nada se tivesse passado.

A aldeia em si estava naturalmente sem telhados nas casas, mas em boa parte podíamos circular pelas ruelas e ver o interior das casas. Era impossível não sentir o desconsolo daqueles que tiveram de deixar toda a sua vida e boa parte da sua identidade ali.

O livro, quanto ao estilo, parece-me ter uma linguagem trabalhada e polida, mas sem cair no rebuscado. A história está muito bem montada, fluída e sem cedências ao facilitismo. Aprendi bastante sobre o enquadramento histórico, não senti em momento algum inflexões forçadas ou mal disfarçadas no enredo.

Este livro ajudou a aumentar a ternura que tenho sobre Vilarinho das Furnas, saciando parte da minha sede de saber mais sobre essa particular comunidade.

P.S. Agradeço ao blog Etnografando com Letras a descoberta deste livro.

Agora a canção do minhoto que teve que deixar a sua terra. Só um nome cabia aqui. Variações, quem mais?

Comentários

  1. O meu bisavô era de Vilarinho. Veio novo para Braga para estudar para padre. Pouco tempo depois, rebelde, abandona e laça-se a jornaleiro pelas quintas mais próximas. Acaba-se por casar.

    O seu filho, meu avô materno, nunca visitou a aldeia. Apenas se lembra do pai ir a Vilarinho de tempos a tempos aproveitando promessas ao São Bento.

    Quando a barragem foi concluída, o meu bisavô conseguiu com que uns seus familiares tomassem conta, como caseiros, de uma quinta em St.ª Cristina, na vertente sul do Monte do Sameiro.

    Os descendentes ainda lá vivem, conscientes, ou não, da herança histórica dos seus antepassados.

    Quanto ao livro em si, devo dizer que não gostei das extensas descrições dos estados de alma de Rogélio. Outros também acharam o mesmo referindo que era ginástica gramatical e vocabulário a mais. Páginas inteiras de divagações sobre Rogélio que adormecia o leitor.

    Acho que se esforçou de mais. Não sendo ele escritor, pode ter sido levado a mostrar todas as suas capacidades técnicas acabando por criar paredes no fluir da história que interessava verdadeiramente.

    Tb custou-me a aceitar Rogélio como um falhado crónico. Falhou em tudo. Da adolescência á universidade. Da guerra ao amor. Personagem atípica. Terá sido propositado? Se sim não consigo descobrir porquê.

    De referir ainda a boa integração de várias realidades da época. Contrabando, Guerra Civil, luta contra as autoridades florestais etc. Sem dúvida estudou os Diarios de Miguel Torga onde se inspirou até na inserção dos "Etnografos".

    Ps. a quem quiser aprender mais, são esses Diários que terá de ler. Miguel Torga ficou hospedado várias vezes em Vilarinho descrevendo a vida dessa povoação e criticando o estado que, segundo ele, sentia-se insultado por haverem aldeias comunitárias verdadeiramente livres e independentes, que não precisavam do estado para nada sem se reviam nele de forma nenhuma.

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  2. Vou definitivamente ler os diários do Miguel Torga, e também tentar descortinar onde posso encontrar o documentário de António Campos.

    Quanto ao livro, também gostaria de ter mais sumo sobre a vida da aldeia, e nas primeiras páginas também senti que a linguagem estava demasiado elaborada, pelo que liguei o alerta «pedântico», sempre à procura de encontrar a frase que me fizesse fechar o livro. Eu li algo de romantismo nessas divagações que ainda assim não me pareceram demasiado barrocas.

    O Rogelio vencido, penso nascer da necessidade de colar o seu destino ao da aldeia. Ele faz-me lembrar um pouco o «Estrangeiro» de Camus, por ser quase naif de tanta falta de propósito. Mas como conheci pessoas reais que viveram nesse limbo, e nas quais nunca distingui os seus objectivos de vida, aceitei perfeitamente essa figura de anti-herói.

    A linha histórica está bem conseguida, e sinceramente gostei muito de não encontrar um livro esquemático e previsível como muitos best-sellers que estão à venda.

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  3. Tivemos o mesmo raciocínio acerca do paralelismo entre a vida da personagem principal e da Aldeia em si. É um recurso comum em incontáveis romances.

    Porém, eu achei que Vilarinho viveu e morreu gloriosa. As suas gentes mesmo na impossibilidade de a salvarem fisicamente, fizeram com que o seu legado tenha sobrevivido para sempre. Rogélio, esse, nunca teve essa áurea de grandeza pelo que invalidei á partida a relação entre ele e uma aldeia que o foi e que viverá para sempre.

    Se encontrar o documentário na Internet informarei de imediato.

    Acerca dos Diários, apenas li extractos e, maioritariamente, referências de outros aos relatos de Miguel Torga.

    No entanto, num post que publiquei há uns tempos, retirei um texto sobre Vilarinho no diário XI: http://ogalaico.blogspot.com/2009/04/se-nao-te-juntas-nosmato-te.html

    Cumprimentos

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