António Variações vs Roque Tradicional
Em 1984 eu tinha 9 anos, mas lembro-me vividamente da notícia na rádio sobre a sua morte. Já nessa altura conhecia bem as músicas mais populares desse artista muito interessante do ponto de vista de uma criança: colorido, mexido, engraçado, - ainda mais quando o vi num dos programas do Júlio Isidro de pijama e chinelos, já doente.
Bem mais tarde, quando aos domingos me levantava de madrugada para trabalhar, ouvi na rádio uma música que me deixou fascinado: «Sempre ausente». Voltaram as velhas recordações e o desejo de ouvir mais.
É para mim muito fácil entender António Variações, pode parecer um ser alienígena ou um excêntrico para muitas pessoas. As mesmas ou outras pessoas podem também intelectualizar e fazer correr rios de prosa sobre o seu estilo e genialidade. Para mim a sua genialidade está na sua coragem e autenticidade, tudo o resto é Minho.
Quem ouviu ranchos até à náusea ou ouviu os cantares ao desafio enquanto via torneios de chincalhão, no meio da poeira das festas cheias de emigrantes ou nas feiras de gado certamente reconhecerá muita melodia e harmonia por baixo daqueles sintetizadores. Também a mim não me abala fortemente o sentimentalismo de «Deolinda de Jesus», porque não havia aniversário da minha avó em que não se chorasse ao som de «mãe, tu partiste e não voltaste». Quase todas as músicas estão deliciosamente recheadas de ditos populares,e isso não as menoriza.
António tinha qualquer coisa de diferente contudo. Tinha rumado cedo a Lisboa, cheio de folclore e pobreza, mas durante a sua vida andou por Londres e Amesterdão, sem faltar a Nova Iorque e até à Indonésia. Gostava de Rock e até de Jazz, e sabia que queria cantar o que lhe vinha na alma fosse de que maneira fosse. Na editora assinaram-no e não sabiam como o catalogar, tentaram o folclore mas não resultou, depois tentaram despachar um álbum para cumprir um contrato, e resultou. Num documentário da 2 que anda por aí na net, o engenheiro de som diz que não sabiam o que fazer com aquele artista que não parava quieto em frente ao microfone. Pela mesma altura os Xutos gravavam também e no livro «conta-me histórias» eles referem como ficaram estupefactos com aquela ave rara que não sabia uma nota de música e se punha a cantar no estúdio a mexer-se como se estivesse a dar um concerto, não tendo a noção de ritmo ou de afinação, e mesmo assim as coisas batiam certo no fim.
Entre dois mundos(não podia faltar o «entre Braga e Nova Iorque»), penso que foi a solidão e o desadequação que António cantou melhor, em canções como «Estou além», «Sempre ausente», «Canção de engate» ou mesmo na belíssima adaptação de «Canção» de Fernando Pessoa. Noutras foi um cantor popular com instrumentos modernos à época.
António acima de tudo exprimiu o que tinha fisicamente de exprimir, e por se exprimir sem auto-censura também acabou por ser tão ridicularizado quanto ouvido pelas pequenas mentes que ainda grassam no nosso país vinte e cinco anos depois, neste pequeno país paroquial e clerical. Admira-me gente que é da linha «Tradicional» tomar o António Variações como bandeira, hein?
Pois é, há quem queira voltar à tradição e se diga seguidor de António Variações, que era quem mais dela queria fugir. Compreendam amigos: ele só se podia exprimir como era, e ele era o produto desse Minho e desse país. Mas era além disso que ele queria ir, era em direcção a Nova Iorque.
Já li e ouvi muito sobre António Variações, e nasci no seu caldo de cultura, não me venham dizer que ele tinha como objectivo ser o porta estandarte de uma bandeira de tradicionalismo. Do tradicionalismo em que os agricultores pobres tinham fome e trabalhavam de sol a sol para os seus senhores? Do tradicionalismo dos que trabalhavam à jorna praticamente pela comida, para os fidalgos dos solares e da boa vida? Ele próprio era filho de lavradores humildes, um de dez irmãos, que tiveram de se espalhar pelo mundo para fugirem à fome.
Não me venham colar este homem a certas coisas que eu tenho visto por aí com epítetos Nacionalistas. Para esse pessoal, que parece que não entendeu bem a figura, vão ouvir o Clã da Câmara Pereira e o frei Hermano da Câmara. É por aí o vosso caminho.
de que vale ser seguidor do blog se só postas de ano a ano?????
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