Não me chames filha


Abriu-se a caixa de pandora dos anos 90 bem medidos, corpo em câmara lenta...

Para dar o meu subsídio para este tema do Grunge, devo dizer que ouvi há cerca de um mês o «Ten», pela primeira vez em anos. Depois da saturação há um período de nojo, que no meu caso é longo. Ouvi sem nostalgias, e continuo a gostar muito do som e da atitude de urgência daquilo. Contudo todo este período do Grunge não tem para mim o poder mítico de outras eras, embora me tenha apanhado em força nos meus 15 anos.

O Grunge tem o seu contexto, aparece no fim dos anos 80, em muito como reacção à estética yuppie dessa década. Os anos 80 são glorificados por filmes como «Wall Street» e o materialismo e a busca do sucesso por todos os meios reinaram. Manhattan era a meca, cocaína era a droga. Não é por acaso que «Geração X» de Douglas Coupland, que narra a história de personagens atulhados em materialismo buscando idealismo e espiritualidade, e «American Psycho» de Bret Easton Ellis, que caricatura e satiriza o Manhattan way of life surgem exactamente na mesma altura.

A reacção a isso foi ir buscar o legado anterior aos plásticos e sintetizados anos 80, Led Zeppelin e Jimi Hendrix à cabeça, com misturas interessantes com Beatles (Nirvana) e muitas outras coisas dos finais dos anos 60 e anos 70. Claro que aos fatinhos impecáveis e ao gel teria de se contrapor o aspecto indigente e desorganizado. E claro, a droga era a heroína, que não era coisa para yuppies, mas para homens.

Na altura vivemos aquilo intensamente, porque tresandava a rebeldia, as letras alienadas repletas de todo o tipo de complexos de édipo, desespero e inadequação cumpriram a sua missão de tábua de salvação e mantra para os adolescentes como eu, e a morte do Kurt trouxe uma comoção imensa e inaugurou o período em que o Grunge começou a resvalar.

Pearl Jam saem-se com Vitalogy, um álbum altamente convulsivo e de busca de identidade. Kurt Cobain foi beatificado e de repente tudo desapareceu e só existia o Unplugged em que toda a gente passa a venerar «The Man who sold the World», «Jesus don't want me for a sun beam» ou «Where did you sleep last night» como as melhores composições de Kurt (este colocar a nu do carneirismo acéfalo foi a sua última vingança), Layne Staley entrou num poço sem fundo, para os Soundgarden o Sol transformou-se num buraco negro, os Smashing Pumpkins lançam Mellon Collie and the Infinite Sadness, tão bom que a partir daí só poderia ser a descer. E aí se foi o Grunge como veio, se bem que a nível comercial ainda foi rendendo por mais uns anitos, mas sem alma. DAD e Mudhoney nem sequer chegaram a sair realmente do underground da SubPop. Os Stone Temple Pilots já são um sucedâneo, com boas canções a espaços, mas um sucedâneo de Pearl Jam.

Claro que o Grunge marcou as pessoas, muita fogueirinha se deflagrou ao som de «Daughter», e até tive de aturar uns Blind Zero iniciais, com o Guedes a imitar cada tique do Eddie Vedder. Como em todas as modas muitos copiaram a roupa, os cortes de cabelo e as faltas de banho, e mais nada.

Qual a mensagem do Grunge a esta distância? Não sei. Acho que nenhuma. Quando tentaram colar a Cobain o estatuto de voz da geração ele recusou e colapsou, pois apenas queria tocar e ser famoso (isto antes de o ser, depois já não queria). O Grunge não queria mudar a sociedade e não tinha ideologia porque na verdade era bastante individualista. Cada um gania com as suas próprias dores.

Eu acho que o Grunge teve a sua época e foi definitivamente uma moda. Algumas bandas evoluiram, outras (a maior parte) ruíram. Não renego o Grunge como importante para mim, mas também não o mitifico.

Comentários

  1. Fantástica descrição do Grunge. Não vivi essa época, vendo esse período em perspectiva, mas concordo com muito do conteúdo deste postal. Boa malha.

    ResponderEliminar
  2. «Ten» é, como já disse, um álbum fundamental. Não só constitui um dos mais representativos registos de um determinado género músical, como descodifica de uma forma assustadora a atitude e o pensamento de uma geração inteira. É fatalista, intenso e inebriante. E mesmo 20 anos depois, continua a ouvir-se extraordinariamente bem!

    ResponderEliminar
  3. Que lição pá. Ando eu aqui a brincar ao grunge e tu vens-me dar um banho destes!! Fica aqui claro que ninguém quis mistificar o grunge, o mal é que neste momento muita gente o quer renegar.
    Não é justo.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares