O homem que não gostava de fado

Era uma vez um homem que não gostava de fado. O fado ecoava-lhe em fundo e em primeiro plano em cada lugar que passava, na tasca ou na rua; na rádio ou na televisão. O fado era uma coisa de velhos, de devoções cegas a um passado morto, e felizmente morto. O fado eram conversas sobre vidas de bairros que lhe eram alheios, de métrica fácil e de palavras brejeiras. O homem chegou até a ver uma Amália decadente, numa festa de Natal qualquer, dividida entre crentes e indiferentes.

Um dia tudo mudou. Estava sentado no trabalho, era de manhã. Ouviu no rádio que Amália Rodrigues tinha morrido, a mesma que a que assistira de olhos mortiços e ouvidos ausentes. Nesse momento deixou-se cair num sentimento de desorientação, e o desprezo desvaneceu-se. Aí ele foi ouvir. E tudo mudou. Encontrou-se naquela voz, que afinal era ele, e era a ele que ele negara o tempo todo.

Chegara esta música para não trocar ser português por nada.

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