Comentário a um post sobre estas coisas das gerações...
Foto: Margarida Mendes |
Tive acesso a um post interessante: Protesto "Geração à Rasca" - a minha, modesta, opinião, e como quero comentar longamente, faço-o aqui.
Vamos por pontos, e falo directamente para a autora do post, Inês Antunes:
- A crise:
Pelo teu texto parece que estamos num beco sem saída, mirando o abismo e prontos a dar o passo em frente. Não é verdade, esta crise é um fenómeno cíclico, porque as pessoas têm a mania de, quando estão bem, pensar que vão sempre estar melhor, e um dia tem que existir um ajustamento entre aquilo que as pessoas desejam(e endividam-se a preceito por esses desejos) e a realidade. Portugal nunca foi bem governado desde que me lembro e pelo que leio nos livros de História, mas nestes momentos de aperto as falhas notam-se mais, como é natural.
Portugal endividou-se para lá daquilo que consegue produzir para pagar, e agora que os credores descobriram isso não querem emprestar mais. De quem foi a culpa? De toda a gente que viveu de ilusões, governos e particulares, e não só em Portugal. A diferença é que outros países ainda mais endividados como o Reino Unido têm a capacidade de produzir para pagarem o que devem, e Portugal a curto prazo não tem. Portugal vai passar uns anos de emagrecimento forçado, para depois recuperar, seja qual for o governo que lá esteja. É inevitável. Depois o ciclo recomeça.
- A manifestação:
De uma forma um tanto fatalista dizes que as pessoas que se demitiram de agir querem agora fazer qualquer coisa quando já é tarde. Eu estive na manifestação, porque acho que ainda não é tarde, porquê? Porque mudar o que precisa ser mudado é um processo muito lento e gradual, e ainda não vai ser esta geração a colocar isto nos eixos. O que precisa de melhorar é a educação cívica das pessoas(por muito que se diga que os jovens de agora são estúpidos e incultos eu não acredito. Em geral são muito mais formados do que os da minha geração, e como em todas as gerações só uma minoria tem propensão para ser interventiva). Claro que muitos viveram em casulos de conforto e não se prepararam para dificuldades, mas a vida vai obriga-los a ajustarem-se, e vão conseguir, acredita.
A manifestação é um apontamento, uma tomada de consciência. Só existe o agora, e se tomas consciência agora, é agora que tens de começar a agir.
- O sistema político:
Eu já voto há muitos anos, e nunca falhei uma eleição. Até tenho por aqui um cartão de um partido para o qual paguei as quotas uma vez. Dá-me jeito para quando não tenho palhetas e quero tocar viola. Os ideais que professava cativaram-me, já as suas práticas, quando olhei um pouco por dentro, não.
Eu acredito na democracia representativa, mas estes 36 anos mostraram-nos que nem tudo correu bem na construção do nosso sistema democrático, que de representativo tem pouco. Naturalmente não se podem expugnar em três décadas vícios que foram acumulados em centenas de anos, tais como o centralismo, o favorecimento e o elitismo. Voltamos ao meu mantra que é: vai demorar gerações até nos alinharmos com os países mais civilizados, e isso só vai lá com pessoas mais educadas, e mais exigentes.
Eu ainda me lembro de 1980, e acredita que Portugal melhorou muito, mas muito mesmo. Eu acredito que a educação que os meus filhos estão a ter é melhor do que a que eu tive, e sei porque faço os trabalhos de casa com eles diariamente.
- O individualismo:
Há contudo uma característica desta geração que eu comecei a notar nos meus últimos tempos de faculdade, que é o individualismo. As pessoas que só sabiam viver em grupo e que dançavam de braço dado nas discotecas foram substituídas por pessoas olhando para os telemóveis e muito conscientes de todos os seus direitos a tudo, sem parecerem reconhecer nada nem ninguém para além daquelas que fossem as suas necessidades. Esta situação difícil talvez traga o espírito gregário que se perdeu...e isso é bom, acho.
- Moral da história:
És políticamente activa, votas, manifestas-te. Acho um excelente começo. Sendo um optimista incorrigível acredito que as pessoas têm um poder imenso para influenciarem o seu destino, mas para isso têm de deixar de se focar naquilo que não podem alterar directamente, como a Sra. Merkel e a complicada conjuntura eleitoral alemã. Temos de deixar de sofrer com isso e focarmo-nos no nosso ciclo de influência.
Aprendi uma frase que me acompanha há muitos anos: «Pensa globalmente, age localmente». Penso que não é tarde para nada, e não é tempo para desmoralizar. Nada está perdido, porque o ser humano tem capacidade para vencer enormes adversidades(a Europa esteve toda destruída há apenas 60 anos e levantou-se). O Japão está destruído hoje, mas vai recuperar, e tem muito mais para recuperar do que Portugal.
Penso que não é tempo para chorar e encontrar culpados, é sim tempo para agir AGORA, sendo mais atentos e exigentes com o sistema político, sendo menos complacentes quando olhamos para o lado e vemos o próximo a roubar o estado; exigindo dos professores; exigindo mais de nós próprios e da qualidade do nosso trabalho, enfim, alargando as vistas e pensando mais longe, e aproveitando os meios extraordinários de comunicação que temos para juntar mais pessoas e dinamizar os outros a mexerem-se.
Mas isso tu já fizeste, parabéns por isso. Boa sorte!
E agora uma musiquinha que isto é um blog de música!
Antes de mais, e pondo o amor de lado, a fotografia está qualquer coisa. Se foi tirada na manif, acho que vale por 1000 palavras.
ResponderEliminarDe resto, temos todos de pegar no andor, e cada qual ter consciência que a parte onde está a pegar é importante para si e para o país.
Isto é válido para políticos também, porque é na classe política que residem alguns dos principais problemas do país: a corrupção e clientelismo, por exemplo.
A foto foi tirada na manifestação, à chegada aos Rossio. Ela estava fascinada com uma enorme bandeira de Portugal(havia imensas), e acabou por ter a sorte de lhe tirar uma fotografia bonita.
ResponderEliminarHavia muitas bandeiras de Portugal, e no ar o sentimento não era depressivo de forma nenhuma.
Acho até que as pessoas dentro das dificuldades começam a ter o sentimento positivo de que contam para alguma coisa e estavam contentes por levantar-se do sofá ou de frente do computador.
Espero que ganhem coragem para ir mais longe agora.
Manifestações de gerações à rasca que nada fazem para mudar as coisas, não só não me convencem como me indignam ligeiramente.
ResponderEliminarDesculpem-me a rudeza, mas a única coisa que muda é que antigamente dizia-se mal dos políticos no banco do café, e a agora diz-se no Facebook. E de dez em dez anos saímos à rua.
O que vi, e acompanhei minimamente o acontecimento e todo o seu background, foi uma moda como o farmville que cresceu para dar nisto. Ouvi pessoas sem nenhuma consciência política, ouvi alguns com alguma, ouvi alguns que se foram manifestar pelas filhas, talvez alguns daqueles que nada fizeram na sua geração para aumentar a produtividade do país, daqueles que com a revolução ganharam muitos direitos e muito poucas obrigações. Enfim. Ouvi muita coisa, mas não vejo ninguém a fazer nada. Não vejo nesta gente, talvez criada à imagem e semelhança do país, vontade de trabalhar para mudar as coisas. Não custa nada pedir, custa fazer.
Jorge, contínua a fazer em vez de entrares na onda morna de uma geração que, como frisa a Inês Antunes (embora não me reveja minimamente no artigo que escreveu) se calhar nunca viu um boletim de voto.
Independentemente da natureza do problema, a solução não é esta. A solução é produzir e trabalhar para um país melhor, para que não tenhamos que nos preocupar com a intragável Sra Merkl.
Só nos sabemos queixar.
Chega de queixas. Vamos fazer. Partidos a dentro, associações a dentro, país a dentro, mas vamos fazer!
P.S. - A Margarida é um génio!
(Só é pena a tez Bressoniana da foto)
A subida à montanha inicia-se com o primeiro passo. Uns vão da-lo, outros não...boa sorte para os que tentatem.
ResponderEliminarPelo menos ficamos a saber que Lisboa está bem guarnecida de retretes.
ResponderEliminarCom tanta gente à rasca...
O primeiro passo deveria ser o de fazer algo para mudar as coisas.
ResponderEliminarPara os que fazem algo por um país melhor, boas sorte. Para esses sim.
Deste movimento e das suas gentes, espero que saiam ideias e massa com vontade de fazer alguma coisa. Mesmo tendo começado pelo lado errado, ainda vão a tempo de ser úteis.
Pelo lado errado?
ResponderEliminar«São já mais de um milhão os portugueses que têm vínculos de trabalho precários. Com uma taxa de contratos a prazo que ascendia no final do segundo trimestre do ano aos 23%, Portugal tem a terceira maior taxa de precariedade da União Europeia (UE), só ultrapassada pela Espanha e pela Polónia. Os dados foram divulgados pelo Eurostat no final de uma semana na qual os parceiros sociais começaram a negociar a flexibilização das leis do trabalho.»
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/precarios-passam-fasquia-do-milhao214701460
A manifestação foi contra a precariedade, e ela abunda em Portugal.
Não defendo trabalho para toda a vida para ninguém, é absurdo, e acho que a meritocracia deve imperar, mas acho que andar a trabalhar ao dia durante anos com falsos recibos verdes é indigno.
Flexibilidade no mercado laboral? Eu sou um sortudo porque, ainda que trabalhando no sector privado, vejo respeitados escrupulosamente todos os meus direitos, mas sei de muita gente que trabalha em empresas de grande renome horas a fio para além do seu horário, não ganha uma hora extraordinária e como recompensa tem mais pressão todos os dias.
Há uma lógica para os contratos a prazo, há uma lógica para os recibos verdes...mas Portugal não seria o Portugal que é se as excepções de repente não passassem a ser a regra.
Penso que devemos fugir ao rótulo fácil e à caricatura.