O homem multiplicado


Tinha outro assunto reservado para hoje, mas a actualidade não perdoa.

Foi com grande gosto que vi hoje pelas ruas de Lisboa multiplicado o Homem que escreveu o «Homem Duplicado». Achei um gesto de bom gosto este agradecimento a quem tão bem escreveu sobre Lisboa.

Um reconhecimento que apelou a mais de 20.000 pessoas, e que seria de esperar dedicado a alguém que levou o nome de Portugal tão longe; ao único autor deste universo de mais de 200 milhões de pessoas que teve concedida a honra de receber um Nobel da Literatura, e que levou a sua obra a 56 países.

Só a alta visão de um grande homem de estado poderia aconselhar ao nosso Presidente da República transformar esta homenagem numa questão pessoal.

Ora ao New York Times isto não passou despercebido, e pudemos ler no título de uma notícia na edição online:

In Portugal, Saramago’s Funeral Draws 20,000 Mourners, But Not the President.

Logo no primeiro comentário, um leitor de Toronto não falha o alvo e dispara, em reacção ao fim da notícia que cita Cavaco expressando que não tivera o privilégio de conhecer o Sr. Saramago:

On the other hand Saramago was obviously privileged to have never had to meet the President.

Foi sem dúvida um fim de tarde bem disposto com o humor Canadiano. Mas no seu humor certeiro, um Canadiano que não sei quanto conhecerá da realidade portuguesa, acabou por chegar ao cerne da questão: Saramago ficará indelevelmente marcado na história cultural deste país. Cavaco Silva terá talvez uma nota de rodapé, gravada em betão, e com gestos como este mostra bem a sua fibra de presidente de todos os Portugueses.

Talvez as pessoas comecem a perceber as consequências da tecnocracia pura, alheia à cultura e às outras forças que animam e distinguem um povo. Talvez este gesto do Presidente seja o princípio de algo.


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Comentários

  1. A grandeza dos homens revela-se em momentos como este. Por isso é que uns escrevem a história e outros são meros anexos.

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  2. Tu ias ao funeral de alguém que te maltratou a vida toda? Eu sei que não ia...

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  3. Bem-vindo ao nosso convívio Há_Dias.

    Talvez o Saramago tenha tratado mal o Cavaco por ter sido mal tratado primeiro na questão do Sousa Lara.

    Mas não é isso que a mim particularmente me interessa. O Presidente da República deve ter sentido de Estado e estar acima das questões pessoais. Ele não se representa, mas sim ao povo português.

    Se põe as questões pessoais primeiro, então é o Presidente dele próprio, e não dos Portugueses.

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