dEUS existe


É certo e sabido que o Fase Berlinense, diria que pelo menos aí uns 66,6%, vive mais do revivalismo e do clássico no meu tempo é que era do que propriamente das novas maravilhas da música actual. Da parte que me toca, juro que não é propositado, mas de cada vez que ouço uma coisa nova, e este fim de semana foi St. Vincent, vou a correr ouvir algo de interessante para compensar. Ando estragadinho de todo.

E assim se faz a ponte para o sagrado: dEUS. E mais uma vez a MTV. Tal como tantas outras bandas que hoje continuo a apreciar e que são a base do meu gosto musical, estes belgas entraram tasco dentro via MTV, por entre canecas de quartilho, sardinhas fritas, campeonatos de sueca e queixas do tipo que puta de música é esta ?

O ponto de partida foi aquela coisa estranha chamada Suds & Soda. Aquele violino por entre guitarras distorcidas, baixo e bateria e o Stef lá trás a gritar friday, friday abanou com os meus conceitos de música, quase exclusivamente alimentados de R.E.M., U2 e Grunge, Pearl Jam à cabeça. Completamente diferente de tudo o que eu conhecia até então. Só mais tarde descobri que a banda começou por ser uma simples banda de covers dos Velvet Underground, mesmo estes estranhos para mim na altura.
A descoberta continuou com Hotellounge (be the death of me) e culminou comigo vidrado e completamente viciado no concerto MTV Live N’ Loud, ao que parece agora baptizado como “A hard night’s daze” (anda por aí uma bootleg ), gravado em VHS e infelizmente morto de tanto rolar. Por falar nisso, alguma alma caridosa que tenha essa pérola a pontos de querer partilhar ?

Worst Case Scenario é um dos grandes discos dos 90’s. Uma explosão de originalidade num caldeirão caótico em que a liberdade criativa foi concerteza o mote. Namorou o rock, o pop, até o jazz mas parece que não casou com nenhum. Esta pequena maravilha trouxe os dEUS do guetto de Antuérpia para a grande sala europeia e colocou-os no patamar mais alto da referência musical europeia continental, longe lá das ilhas britânicas ensimesmadas na muito sua brit-pop .


Em 1996 saiu In a Bar Under The Sea. Logo na primeira faixa, e por via das dúvidas o aviso :

“I don't mind whatever happens
I don't mind whatever goes around”,

E o festim continuou , alternando belíssimas peças pop como Little Arithmetics e Disappointed In The Sun, com monstruosas composições quase incatalogáveis como Fell of The Floor Man, A Shocking Lack Thereof ou Theme from Turnpike. O fantasma de Frank Zappa andou por perto...
Foi também o último disco de Stef Kamil Carlens com os dEUS. Muito embora as composições fossem sempre repartidas pelos outros membros da banda, pelo menos assim foram apresentadas, sempre vi na dupla Tom Barman/Stef Kamil Carlens uma força criativa que se completava e fez dos dEUS uma referência na música alternativa e underground europeu. O disco seguinte, The Ideal Crash, é também um disco muito bom, basta ouvir Instant Street, Everybody's Weird ou Sister Dew para o confirmar, mas os dEUS transformaram-se gradualmente no projecto de Tom Barman, o que bem vistas as coisas até não é nada de mau, mas aquela imprevisibilidade e experimentalismo que foram a marca dos dEUS parece ter-se perdido.

Os dEUS continuam a ser uma boa banda e a fazer bons discos, vi-os ao vivo em 1998 em Paredes de Coura e voltei lá 10 anos depois de propósito para os ver e felizmente presenciar um grande concerto. E constatar que os dEUS gostam Portugal, e que o sentimento é recíproco.

Contrariando a sina da música que lhes deu nome, em que Björk cantava nos seus Sugarcubes “Deus does not exist”, dEUS existe, e pelo menos em mim estará sempre presente.


Entre três, algum tinha de ser crente.

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