Guardado na memória (e na estante)
Em 1999 a rádio TSF andava esquisita, após o grupo à qual pertencia ter acabado com a rádio de música independente Xfm (para uma imensa minoria), a TSF ficou com a missão de preservar o espírito, e de facto pareceu por algum tempo possuída por alguma musa. Os «Sinais» do Fernando Alves eram poesia, a locução da Inês Meneses era bem mais que o frio interlúdio entre programas, e até a altas horas da noite, os noticiários do Pedro Malaquias (que para quem não sabe escreveu muito boas letras para os Rádio Macau - «Anzol» incluído -, e também para o Paulo Gonzo - sim, «Jardins Proibidos» arrgghh), eram um autêntico boletim satírico. Tudo culminou com a magnífica campanha por Timor, mais tarde, na qual a rádio esteve uma série de tempo sem sequer emitir publicidade. Uma ode ao idealismo até ao PREC (Período de Rangelização em Curso) que veio trazer pérolas políticamente correctas como o «Fórum Mulher» e arrumou de vez com o prazer da rádio, e com os últimos vestígios de bom gosto musical.
Mas em 99, dizia eu, pelas sete da manhã era quase sagrado ouvir uma música na TSF, essa música era «Toledo», e a voz, reconhecia eu, era a de Elvis Costello. Toca a investigar, e lá cheguei a «Painted from memory», um álbum de co-autoria entre Costelo e o velho Burt Bacharach de fama easy-listening.
Tudo começou em 96 com o convite para escreverem uma música para a banda sonora de Grace of my heart de Allison Anders. A dupla ganhou-lhe o gosto e decidiram compor um álbum inteiro, pensado à velha maneira easy-listening, com umas cantoras e tal (e que boas elas eram, basta pensar em Dionne Warwick, que eu ouvi pela primeira vez numa música contra a Sida, com o Elton John e o Stevie Wonder, música escrita por Bacharach em meados de 80). Costello ia cantando nos ensaios e a meio do caminho ficou ele mesmo o cantor, e não ficou mal.
O álbum em si tem belas composições e arranjos irrepreensíveis, a nível lírico versa sobre um casal em ruptura após as traições do marido. Em paralelo, algumas das canções do álbum foram gravadas por Bill Frisell, para o álbum «The Sweetest Punch» com Costello e Cassandra Wilson nas vozes de algumas músicas, outra visão das mesmas canções, igualmente brilhante.
Passado o período de repulsa subsequente a imoderadas audições até à saturação, eis chegada a hora de desempoeirar esse amado álbum, e voltar a cantarolar «You hear her voice - How could you do that?»
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