O ritmo dos santinhos(agora com mais santinhos)
Anos 80, paleolítico da internet. Uma tasca em Guimarães, idade das trevas da informação. A clientela habitual: o Minguinhos, o Caló, o Giggio e outros do mesmo naipe; aqui e ali a conversa resvalava para a música. Na portuguesa destacavam-se os Xutos com «a Casinha» e «Maria», na estrangeira os «Daire Estraites», o que punha a guitarra a falar e ninguém sabia o nome(Peter Frampton), os já longínquos mas ainda na memória «Supertramp» com o seu concerto em Paris, e esse duo fantástico que tinha metido aí um milhão de pessoas no Central Park, Simon & Garfunkel. Do Simon ainda se ouvia falar pelos idos de 86 após o lançamento de «Graceland», mas Garfunkel era já pasto para o mito rural. Todos me afiançavam que o desgraçado havia perecido das mais diversas maleitas e acidentes, embora eu ainda o julgue de saúde em 2009.
Mas a coisa do Simon foi ficando, no início pelo folclore do milhão de alminhas, depois pela audição até à náusea do célebre concerto, posteriormente por estar a jeito para aprender umas coisas de viola. Não é de todo menorizável a obra no domínio do folk-rock de Simon até 80, de forma nenhuma nego saber quase de cor grande parte da obra inicial do homem, mas é «Graceland», que vem continuar e ampliar a veia world-music já ensaiada em «El condor pasa» que inscreve Paul Simon nos grandes músicos do nosso tempo. Rodeado dos melhores músicos africanos, com arraiais assentes na África do Sul, Simon grava um álbum que faz ver como é grande a afinidade entre a música africana e a música(negra) americana.
Quatro anos mais tarde, em 90 Simon regressa com «The Rythm of the Saints», desta vez inspirado nos ritmos do Brasil(digo isto porque na verdade em boa parte das músicas não se sente o Brasil a não ser nas percussões). Este é para mim o melhor disco de Paul Simon, que eu oiço, re-oiço, enjoo e volto a reencontrar, sempre nascente de novos e prazeirosos pormenores.
O disco abre com «Obvious Child», um samba melancólico sobre como o fulgor e o idealismo se vão acinzentando com as contas para pagar, continua com a sinfonia de percussões que é «Can't Run but», que em mim evoca uma travessia sufocante da amazónia, mas que afinal é sobre Chernobyl, e segue directamente para os Camarões com «The Coast» - onde nos devemos deleitar demoradamente com todo o trabalho musical, a começar pela guitarra de Vincent N'Guini. «Further to Fly» tem o Beatle Ringo Starr na bateria, e é uma música lindíssima, quase recitada, mais uma vez com uma letra plena de melancolia, e uma riqueza musical explêndida; «Born at the right time» volta a África, mas é o épico «The Cool, Cool River» que eu elejo neste disco - a letra debruça-se sobre um planeta em crescente agonia, e tem uma evolução que culmina num ataque da secção de metais de arrepiar os cabelos, sempre com um extremo bom gosto nas texturas e ambientes musicais.
Este álbum é indispensável, uma obra maior.
Ps: Tal como o Paulo César comentou, a minha memória sofreu de grave falha ao ignorar o ídolo dos ídolos daqueles míticos anos 80 da tasca: o glorioso Bryan Adams. Também tem razão da minha inequidade em deixar alguns personagens importantes e queridos de fora, tal como o Fina e o Black que se infiltraram nos finais dos anos 70 no backstage do concerto dos Barclays James Harvest sem saberem uma palavra de inglês(a linguagem da sede felizmente é universal), e do iú, o maior assassino de peixes com granadas roubadas da tropa no ribeiro local. Eles ainda virão cá de novo.
Embora mais colado ao pessoal do Terrulheco, esqueceste de mencionar o grande Bryan Adams.
ResponderEliminarE os Pink Floyd do Iú e do saudoso Nel Fina.