Berlim - cidade mítica do rock II - The Idiot
Ainda deve andar lá pelas prateleiras do meu pai, O Idiota. Não me estou a referir a nenhum dos meus irmãos, claro, mas sim ao romance de Dostoyevsky que li há já um bom par de anos. Míchkin é um príncipe russo, que sofre de epilepsia e regressa à Rússia, depois de se tratar na Suíça, para receber uma herança. É o protótipo do homem bom e humilde, mas isso só serve para que os outros o tomem por um débil e um idiota.
É por Bowie, Visconti e Iggy Pop conhecerem este livro que o primeiro álbum da fase berlinense de Iggy Pop e David Bowie tem por título 'The Idiot'. Embora lançado após 'Low' de David Bowie, 'The Idiot' é gravado antes, e é o balão de ensaio de Bowie para um novo estilo de música que lhe interessava, de matriz essencialmente europeia e electrónica, cuja face mais divulgada foram os Kraftwerk. Bowie afirmaria depois que, não tendo cabeça para escrever e estando a recuperar de uma fase terrível de dependência, fez do pobre Iggy sua cobaia. Mas pelo que saiu, não me parece que ninguém tenha ficado a perder.
'Sister Midnight' havia já sido escrita por Bowie e Carlos Alomar, e até tocada na tourneé de 'Station to Station' no início de 76. Quando assentaram arraiais no Château d'Hérouville, onde préviamente Bowie tinha gravado 'Pin Ups', Bowie e Pop recrutaram Laurent Thibault no Baixo e Michel Santageli na bateria para acrescentarem partes ao material já gravado por ambos. Em Agosto as gravações continuaram em Munique com Phil Palmer, que cunharia a relação criativa entre Bowie e Pop como «vampírica» visto os dois só serem vistos no estúdio à noite. Por fim são introduzidos overdubs e a mistura é concretizada nos estúdios Hansa em Berlim, para onde Bowie tinha sido convidado a ir por Romy Haag(uma pessoa exótica, sem dúvida).
Este álbum, como muitos dos álbuns mais criativos, incluindo alguns dos dias de hoje, cumpriu um requisito: foi feito às três pancadas, sem produção e puramente guiado pela criatividade. 'Nightclubbing' foi escrito e gravado numa noite depois de os músicos terem saído. Bowie começa a tocar no piano com uma caixa de ritmos por trás. Pop escreve uma letra em dez minutos e cá vem uma grande música. Bowie quis tirar a caixa de ritmos mas Pop não deixou. Ainda bem que o fez pois grande parte do hipnotismo dessa canção vem dessa batida sincopada. 'Dum Dum Boys' é escrita a partir dos longos monólogos de Iggy descrevendo as suas venturas e desventuras com os Stooges, e 'China Girl'(sim, primeira versão dessa que estão a pensar) nasce de uma paixoneta de Iggy pela namorada de outro parceiro que estava a gravar ao mesmo tempo naquele estúdio.
Tony Visconti considera a mistura deste álbum como uma operação de salvamento, tal era a qualidade de gravação do material. Resultado? Um dos melhores álbuns de Iggy Pop, embora nada representativo do conjunto do seu trabalho.
Iggy Pop faz uma digressão de 'The Idiot', que Bowie diz ter sido carregadinha de drogas(embora outros músicos afirmem que é só treta), e leva um pianista de luxo - o próprio Bowie. Ainda me lembro de ler a surpresa de Ian Curtis, prestes a iniciar a sua saga com a Joy Division - na biografia 'Carícias Distantes' escrita pela sua mulher, - quando vai ver Iggy Pop e vê o seu ídolo sentadinho ao piano a só abrir a boca nos coros.
Uma última nota: 'Mass Production'. Esta canção proto industrial e cerimoniosa que se estende por oito minutos lança as escadas à 'Joy Division'(oiçam 'I remember nothing' e comparem as duas) e é um longo lamento fúnebre com loops e sintetizadores a tenderem para a deformação. É daquelas que nos transporta para vasto deserto interior quando ouvida no escuro. Não façam isso.
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